Em um Estado Democrático de Direito “a função do Estado é de operador processual, com o intuito de garantir uma ordem jurídica constitucional, de proteção dos direitos processuais, a ser concretizada com base nos princípios da democracia e do discurso por meio do processo legiferante (PERIM, 2014).

Nesse viés, surge o inquérito policial como elemento informativo preliminar, apto a levantamento de informações e documentos que poderão embasar eventual ação penal a ser proposta pelo Ministério Público.

Mas o inquérito policial, de caráter investigativo e preparatório, não pode ser conduzido como um “vale tudo”, posto que sujeito a regras de ordem constitucional e infraconstitucional. Embora não haja a presença de um juiz de direito, nem se configure em processo, a investigação obedece também as regras insculpidas no Código de Processo Penal (artigos 4° a 23).

Além disso, o inquérito policial deve ter objeto específico, atuando nos limites do que consta na portaria de instauração. O brilhante Erick da Rocha Spiegel Sallum explica que:

a investigação criminal caracteriza-se pela metódica coleta de informações direcionada a testar uma hipótese criminal. Essa hipótese criminal representa o objeto específico e bem determinado da investigação. Essa delimitação do fato a ser apurado deve constar expressamente na portaria inaugural do procedimento investigativo, seja no inquérito policial – IP, conduzido pela Polícia Judiciária; seja no Procedimento de Investigação Criminal – PIC, conduzido pelo Ministério Público (SALLUM, 2020).

Como dito, é imperioso a delimitação precisa do objeto da investigação e a obediência aos prazos previstos no CPP, constituindo estes verdadeiros limites ao Estado. O próprio sistema acusatório (caracterizado pela desconcentração das funções investigativa, acusatória e jurisdicional) funciona como instrumento de contenção (SALLUM, 2020).

A atuação do órgão de investigação estatal também encontra barreira no princípio da Reserva de Jurisdição, que consiste, nos dizeres do Ministro do STF, Celso de Mello,

em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política , somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (MS 23452/RJ).

O principio delimita a atuação da investigação, que não poderá praticar atos jurisdicionais atribuídos exclusivamente aos membros do Poder Judiciário (juízes, desembargadores, ministros). Como exemplo, podemos citar a busca e apreensão domiciliar e a interceptação telefônica, onde a autoridade policial deverá solicitar ao juiz e, somente em caso de autorização por parte deste é que poderá proceder à realização das diligências.

É certo que existem diversos atos que são praticados pelo delegado de policia sem necessidade de chancela da autoridade judicial, por exemplo, a requisição de perícias, objetos e documentos (artigo 2º, §2º da Lei 12.830/13), a prisão em flagrante (artigo 304 do CPP), o arbitramento de fiança (artigo 322 do CPP), a busca pessoal (artigo 240, §2º do CPP), a requisição de dados telefônicos de localização (relatório ERB), após o decurso do prazo previsto no parágrafo 4° do artigo 13-B do CPP).

Embora sejam atos praticados por determinação da autoridade policial, ainda assim deverão observar os limites da portaria de instauração do inquérito e os mandamentos constitucionais.

Sabemos que as informações de caráter personalíssimos dos cidadãos são sigilosas, sendo certo que a Carta Magna protege a intimidade e a vida privada o que corresponde a proteção efetiva a uma série de dados, entre eles as informações bancárias, dados fiscais e de internet. Henrique Hoffmann Monteiro de Castro, delegado de Polícia Civil do Paraná preleciona que

no caso das comunicações, a própria Constituição impõe a necessidade de ordem judicial para sua captação, existindo cláusula absoluta de reserva de jurisdição. Já quanto aos dados englobados pela intimidade e privacidade, o texto constitucional foi silente, sendo necessário conferir a legislação infraconstitucional. Em outras palavras, a cláusula absoluta de reserva de jurisdição limita-se à comunicação dos dados (artigo 5º, XII da CF – informações dinâmicas), e não aos dados em si (artigo 5º, X da CF – informações estáticas), que possuem proteção distinta, conforme entendimento dos Tribunais Superiores (DE CASTRO, 2017).

Sempre que houver o deferimento de uma quebra de sigilo, dado o caráter excepcionalíssimo da medida, a informação eventualmente obtida só poderá ser usada naquela investigação e com finalidade específica, sendo que se houver vazamento ou extrapolação dos limites do pleito a autoridade policial poderá ser responsabilizada.

No inquérito, embora se adote o sistema inquisitivo, não se pode tudo. A busca sempre será a verdade real, os meios serão os disponíveis e legalmente válidos e as garantias dos investigados deverão ser respeitadas, sob pena de nulidade absoluta e comprometimento de todos os atos praticados.

 

FONTE: https://canalcienciascriminais.com.br/os-limites-da-investigacao-preliminar-frente-ao-estado-democratico/